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Art. 977 do Código Civil (A Lei do Macho)

Cristiano Jacinto • 11 de novembro de 2024

Art. 977 do Código Civil (A Lei do Macho)

Antes de entrar no assunto, vale lembrar que muitos clientes de Holding Familiar são casados pelo regime de comunhão de bens, que era o mais comum na década de 1970 e é o que hoje chamamos de comunhão universal de bens. Esse regime significa que todos os bens adquiridos durante o casamento são considerados comuns ao casal.


O artigo 977 do Código Civil diz que marido e mulher podem ser sócios, desde que não sejam casados sob o regime de comunhão universal de bens, ou separação obrigatória.


Vamos dar uma olhada rápida na história do nosso Código Civil. Ele foi aprovado em 10 de janeiro de 2002 e entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003. Mas o projeto que iniciou essa reforma foi o Projeto de Lei nº 634/1975, bem antes da Lei do Divórcio de 1977, e em um contexto constitucional bem diferente. Ou seja, o Código Civil que temos hoje tem raízes nos anos 70.


O texto do artigo 977 não é de 2002, mas sim de 1975, ou até mais antigo, porque o projeto de lei foi elaborado por uma comissão criada em 1969, coordenada pelo professor Miguel Reale. O mais curioso é que esse artigo não tinha nenhum equivalente no Código Civil de 1916.


Para entender um pouco mais, na primeira metade do século XX, surgiram disputas nos tribunais sobre a desconsideração da personalidade jurídica, com a ideia de que a responsabilidade dos sócios casados seria ilimitada. Na época, o STF dizia que a sociedade entre marido e mulher era nula, caso estivessem casados sob o regime de comunhão universal de bens, com base no argumento de que isso violaria o poder marital.


O Código Civil de 1916 tinha o artigo 230, que dizia que o regime de casamento não poderia ser alterado, ou seja, era imutável. E os tribunais seguiam essa linha, dizendo que, sob esse regime, não poderia haver sociedade entre marido e mulher.


Em 1962, no Brasil, a luta feminista avançou com a criação do Estatuto da Mulher Casada, que acabou com a ideia de que a mulher era relativamente incapaz. Já em 2002, o novo Código Civil permitiu que o regime de casamento fosse alterado, algo impensável antes. E foi nesse cenário que o artigo 977 surgiu, com uma visão ainda muito ultrapassada, com base em doutrinas do século XIX.


José Carvalho de Mendonça, jurista brasileiro, argumentava que não era legal criar uma sociedade entre marido e mulher, pois isso contrariava a ideia de que o marido era o chefe da casa. Além disso, ele acreditava que a sociedade não era vantajosa nem para o casal, nem para os credores.


Essa visão foi contestada a partir de 1962, com a Lei do Estatuto da Mulher Casada, e principalmente em 1988, com a Constituição Brasileira, que garantiu a liberdade de associação, desde que fosse para fins lícitos.


O Código Civil de 2002 mudou a regra, permitindo a alteração do regime de casamento, mas o artigo 977 ainda manteve uma visão antiga e machista. O DREI já entendeu que esse artigo não se aplica a S/As, pois essas sociedades têm um caráter diferente das sociedades limitadas.


Em relação às sociedades limitadas, o DREI também deixou claro que quem for impedido por normas constitucionais ou leis especiais não pode ser sócio. Porém, um caminho viável seria estabelecer um "condomínio de quotas" entre os cônjuges. Isso é permitido pela lei, já que o condomínio de quotas é uma forma de dividir a propriedade entre as pessoas, sem violar o regime de bens do casamento.


Alguns argumentam contra o "condomínio de quotas", dizendo que isso violaria a lei, mas isso não é verdade. A sociedade e o condomínio são coisas diferentes. A sociedade, conforme o artigo 981 do Código Civil, envolve pessoas que contribuem para a atividade econômica, enquanto no condomínio, o resultado não é compartilhado da mesma forma.


Em resumo, o artigo 977 do Código Civil ainda reflete o machismo estrutural presente na sociedade brasileira, e a comunidade jurídica deveria rejeitar essa visão. Algumas sugestões para lidar com isso:


- Para o Estado: declarar a inconstitucionalidade dessa norma.

- Para o DREI e juntas comerciais: afastar a aplicação dessa regra, de acordo com a Constituição.

- Para profissionais do direito e contabilidade: buscar soluções como o "condomínio de quotas" entre os cônjuges.


Se você se deparar com o artigo 977, não fique calado!


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